sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

cancioneiro


Aqui na orla da praia,

mudo e contente do mar,

Sem nada já que me atraia, nem nada que desejar,

Farei um sonho, terei meu dia, fecharei a vida,

E nunca terei agonia, pois dormirei de seguida.


A vida é como uma sombra que passa por sobre um rio

Ou como um passo na alfombra de um quarto que jaz vazio;

O amor é um sono que chega para o pouco ser que se é;

A glória concede e nega; não tem verdades a fé.


Por isso na orla morena da praia calada e só,

Tenho a alma feita pequena, livre de mágoa e de dó;

Sonho sem quase já ser, perco sem nunca ter tido,

E comecei a morrer muito antes de ter vivido.


Dêem-me, onde aqui jazo, só uma brisa que passe,

Não quero nada do acaso, senão a brisa na face;

Dêem-me um vago amor de quanto nunca terei,

Não quero gozo nem dor, não quero vida nem lei.


Só, no silêncio cercado pelo som brusco do mar,

Quero dormir sossegado, sem nada que desejar,

Quero dormir na distância de um ser que nunca foi seu,

Tocado do ar sem fragrância da brisa de qualquer céu.


Fernando Pessoa

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

ladeira da preguiça

Essa ladeira, que ladeira é essa?
Essa é a ladeira da preguiça
Essa ladeira, que ladeira é essa?
Essa é a ladeira da preguiça

Preguiça que eu tive sempre De escrever para a família
E de mandar conta pra casa
Que esse mundo é uma maravilha
E pra saber se a menina
Já conta as estrelas e sabe a segunda cartilha
E pra saber se o menino
Já canta cantigas e já não bota mais a mão na baguilha

E pra falar do mundo falo uma besteira
Fomenteira é uma ilha
Onde se chega de barco, mãe
Que nem lá, na ilha do medo
Que nem lá, na ilha do frade
Que nem lá, na ilha de maré
Que nem lá, salina das margaridas

Essa ladeira, que ladeira é essa?
Essa é a ladeira da preguiça
Ela é de hoje
Ela é desde quando
Se amarrava cachorro com linguiça

Composição: Gilberto Gil

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

pequenas vinganças

- Por favor, não me liga mais. Ela fica incomodada.
- Incomodada? Ela sabe de alguma coisa?
- Então... mais ou menos.
- Como assim 'mais ou menos'? Você contou?
- Médio.
- Médio?! Você é louco?
- Ela insistiu que tínhamos alguma coisa e eu neguei. Neguei, juro, até quase a morte. Ela me apertou, chorou, xingou, disse que eu estava mentindo e eu continuei, firme e forte, negando veementemente que nunca tínhamos nos envolvido e finalmente ela acreditou.
- Ahn...
- Mas aí, um outro dia desses, ela viu uma mensagem sua na caderneta de recados - não dizia nada de mais - e surtou novamente. Falei que eu já tinha explicado, que nada tinha acontecido entre nós, que aquilo era fruto da imaginação dela. E ela novamente esperneeou, chorou, disse que eu estava mentindo, até que eu tomei a decisão.
- Hum...
- Disse a ela: 'Você quer saber a verdade? A verdade é que já fiquei com ela sim.'
- Você é louco. Certeza. Além de deixar a coitada morrendo de ciúmes ainda comprovou que é um puto de um mentiroso.
- É... fiz besteira.
- Fez e das grandes, mas enfim, problema de vocês.
- É, vou dar um jeito de resolver isso...
- Hahahaha. Justo quem. Eu? Provocando ciúmes em alguém? Depois de tantos anos... Confesso, fiquei surpresa. Eu, que sempre tive ciúmes de você.

E ela saiu. Levantou-se como uma rainha. Virou-se e sorriu olhando com o canto dos olhos e o sabor doce na boca pelo desconforto alheio.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

masp x obelisco

tempo, espaço e a cidade

15 minutos em 1 hora.
Raul já dizia na letra sobre ‘o dia em que a terra parou’. Em São Paulo o tempo parou. Ou melhor, estacionou. Não é mais possível prever quanto tempo leva para que alguém se locomova de um local a outro. A pontualidade está virando coisa para ‘inglês ver’.

Lembro de quando eu era criança e morávamos perto ao terminal da Barra Funda. O tempo era previsível. Meus avós, quando vinham do Paraná para cá ficavam aflitos com o tempo que iríamos levar de casa ao terminal. Queriam sair sempre uma hora antes, sendo que para chegar à rodoviária não se levava mais do que 10 minutos (incluindo o tempo de pôr as malas no carro). Oras, talvez eles previssem que em dezembro de 2007, mais de 10 anos depois, um trajeto que se cumpria em 10 minutos hoje se faz em 1 hora – quando não está alagado, porque aí não tem hora mesmo para chegar.

Trajetos que em geral acabam em 15 minutos podem ser agora cumpridos em mais de uma hora. Por outro lado, caminhos considerados verdadeiras viagens passaram a ser considerados rápidos, praticamente daqui-ali. Por exemplo: é mais rápido ir de São Paulo a Campinas (leva-se em torno de 1 hora) do que atravessar do Brooklin (zona sul de São Paulo) para a Casa Verde (zona Norte). Onde já se viu isso???

A noção de tempo do paulistano mudou e com isso, mudam as dimensões de espaço. Veja só: eu que me considero uma observadora da cidade me dei conta, pela primeira vez, depois de tantas horas paradas entre a zona leste e a zona norte , que essa cidade deve ser a metrópole em que há mais cabeleireiros (cheios) do mundo. São incontáveis os salões, institutos e casas de beleza para todos os bolsos e estilos que se espalham pela cidade.

Outra observação que tenho é: aqueles que moravam ao lado de grandes vias da cidade e abtes se escondiam do trânsito, perigoso, hoje se comportam como quem mora em bairros residenciais. As pessoas colocam cadeiraa na porta de casa para observar o movimento. Quando tiver oportunidade, passando pela avenida do Estado, observe que os senhores e senhoras que moram naquelas casinhas antigas sentam-se à porta de casa, com cerveja e jornal na mão – na hora do rush – para observar o ‘movimento’. Diferença básica de hoje para o passado? Hoje se observam motoboys sendo atropelados a cada esquina - a cada 15 minutos– e o trânsito antes rápido e perigoso, hoje não anda mais.

E assim, para os passageiros de ônibus, motoristas e motoboys da cidade os dias param. Pelo menos que aproveitem para descobrir uma São Paulo nova.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

cantando

Lembra daquele tempo
Quando não existia maldade entre nós
Risos, assuntos de vento
Pequenos poemas que foram perdidos momentos depois
Hoje sabemos do sofrimento
Tendo no rosto, no peito e nas mãos umas dor conhecida
Vivemos, estamos vivendo
Lutando pra justificar nossas vidas

Cantando
Um novo sentido, uma nova alegria
Se foi desespero hoje é sabedoria
Se foi fingimento hoje é sinceridade
Lutando
Que não há sentido de outra maneira
Uma vida não é brincadeira
E só desse jeito é a felicidade.

Composição: Paulinho da Viola

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

falta

o mal do mundo é a falta de crítica.

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

mundo

Meu blog não é o melhor do mundo, mas é meu!
Foram tantas leituras para constatar isso que estou desacreditada.
O blog não é uma beleza, mas acho que deve ter alguém que lê (frase de dona de blog carente)e reflete sobre alguma coisa que eu tenha escrito aqui.
Será?

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

terça-feira, 6 de novembro de 2007

são bento



Em cada um dos quatro lados da cruz: C. S. P. B. Crux Sancti Patris Benedicti. Cruz do Santo Pai Bento
Na vertical da cruz: C. S. S. M. L. Crux Sacra Sit Mihi Lux. Que a Santa Cruz seja minha luz
Na horizontal da cruz: N. D. S. M. D. Non Draco Sit Mihi Dux. Que o demônio não seja o meu guia
Começando pela parte superior, no sentido do relógio: V. R. S. Vade Retro Satana. Afasta-te Satanás - N. S. M. V. Non Suade Mihi Vana. Não me aconselhes coisas vãs - S. M. Q. L. Sunt Mala Quae Libas. É mau o que me ofereces - I. V. B. Ipse Venena Bibas. Bebe tu mesmo teu veneno
Na parte superior, em cima da cruz aparece a palavra PAX e nas mais antigas IESUS

domingo, 4 de novembro de 2007

falta e vida

Perder é ganhar um buraco inundado de lágrimas no peito.
causado pelo amor vivenciado e pela expectativa da vida.
A dor: da impossibilidade de desenvolver este mesmo amor.
Felicidade pelo surgimento de um novo tempo
em que uma criança vai sorrir e criar-se sempre com uma saudade desconhecida.

terça-feira, 30 de outubro de 2007

umidade

Descomplicar, explicar, complexar.

Por que fazer do complexo, simples e vice-versa?

Talvez por que tenhamos nascido com olhos que vão além de sua função.

Olhos que enxergam mais do que reflexo. Olhos interpretantes e úmidos.



Não é à toa que este órgão é composto por líquidos. Brilhantes e fluidos a priori, quando há secura mostra-se que algo não está bem. Olhos opacos, sem vida – feito os cabelos – designam cuidados especiais.



A umidade do olhar traz aos olhos a incrível possibilidade de enxergar além. Tornam a visão mais complexa, saturada de cores e texturas diferentes. Olhos úmidos para mostrar tristeza e também para derramar felicidade.

terça-feira, 23 de outubro de 2007

rumo dos ventos

A toda hora rola uma história
Que é preciso estar atento
A todo instante rola um movimento
Que muda o rumo dos ventos
Quem sabe remar não estranha
Vem chegando a luz de um novo dia
O jeito é criar um outro samba
Sem rasgar a velha fantasia

Mulher é isso aí
Só existe a gente mesmo
Levando um barco pesado
Apesar do agitado mar
Sem a lua e seu encanto
Ao sabor da ventania
Mesmo no gelo da noite
Meu coração não esfria
E quando o vendaval passar
Acharemos uma ilha
E até quando Deus deixar, mulher
Iremos tocando a vida

composição: Paulinho da Viola

sem mais

Poxa. Começa a escrever e apaga!!!
Assim, ando profundamente conhecedora do delete e do backspace.
Com tantas outras teclas, por que essas duas insistem em estar embaixo dos meus dedos?

- Ah! faz um esforcinho, vai!
- To aqui, oras! Fazendo um esforção! Tentando estabelecer contato imediato com a página deste blog que anda devagar, quase parando.
- Antes tarde do que nunca, não é?
- Pô! Mas com tanta coisa acontecendo aqui você ainda quer tempo para ficar postando?
- Claro! Um monte de gente consegue! Postam, inclusive, diariamente.
- Ah! Mas eu não sou assim disciplinada, você sabe. Essa coisa de ficar repetindo ações, sejam quais forem não é comigo.
- Pára com isso!!! Isso aí é medo de escrever.
- Pode ser que seja mesmo. Se for, e daí? Não posso ter medo? É O QUE ME FALTAVA!!! E se quer saber, to mais lendo que escrevendo. Processo de maturação do pensamento, já ouviu dizer?
- Ahãn. Vai pô! Se obriga aí a escrever uma coisa descente!
- Descente? Vou só postar essa conversa, tá?
- Hahaha Conversa? Diálogo imaginário, né bem?! De eu e você com você mesma.

sexta-feira, 19 de outubro de 2007

desânimo

Dia chato.
Cinza de chuva que não molha.
Sapato largo para entrar pedrinha.
Barulhinho apitando na cabeça.

Sono e falta de cama.
Fome e regime.
Iluminação branca de elevador.
Imperfeições perfeitamente visíveis.

Ô COISA CHATA.

quarta-feira, 26 de setembro de 2007

ansiedade

Como para acalmar
Durmo para fugir
Tomo para esquecer
Choro para não ruir

Acordo para não esperar
Corro para lá estar -
Fujo para não ir.

Calo para não machucar
Grito para não explodir
Rio para não mostrar
Páro não sentir.

segunda-feira, 13 de agosto de 2007

não desisti

Não desisti não. Só acho que às vezes é difícil por demais assumir o que se pensa.
Escrever então, nem se fala! Protocolar uma idéia dolorosa que está na cabeça e fazer com que com um pouco de tinta, ou alguns códigos, no caso do computador, ela se torne insuportavelmente real. Então fujo de escrever. A propósito eu sou a pessoa que conheço que mais gosta de escrever e mais tem medo disso. Alguém mais é assim?
Se for, coloca um post pra eu me sentir um pouco menos estranha no mundo.

segunda-feira, 2 de julho de 2007

sobre camisetas

camiseta Clube Paulista 1916

Thais - do not bother me! diz:
hahha
Amigo diz:
e ta bom o preço, né
Thais - do not bother me! diz:
ô
Thais - do not bother me! diz:
só q só tem M
Amigo diz:
porra
Amigo diz:
hahahaha
Thais - do not bother me! diz:
sera q M serve?
Amigo diz:

Thais - do not bother me! diz:
acho q nao, ne
Amigo diz:
nao sei
Amigo diz:
se ficar justa, nao agarrada rola...npe
Amigo diz:
meu repertorio acabou
Thais - do not bother me! diz:
vc compraria M ou G
Thais - do not bother me! diz:
de manga curta tem G
Amigo diz:
nao rola ligar lá?
Amigo diz:
eu sou m, normalmente
Amigo diz:
acho que m deve rolar
Thais - do not bother me! diz:
tb acho
Amigo diz:
compra a longa hehe
Thais - do not bother me! diz:
Medidas:
Tamanho P: 65CM DE ALTURA X 45CM DE LARGURA
Tamanho M: 67CM DE ALTURA X 50CM DE LARGURA
Tamanho G: 70CM DE ALTURA X 55CM DE LARGURA
Tamanho GG: 75CM DE ALTURA X 60CM LARGURA
Thais - do not bother me! diz:
to achando M pequeno
Thais - do not bother me! diz:
acho q vou pegar a de manga curta
Thais - do not bother me! diz:
pq se num der pra trocar, ferra a vida
Amigo diz:
nao tem como ligar lá?
Amigo diz:
de repente o site da desatualizado
Amigo diz:
pensa que sao 3 cms de diferença...haha
Amigo diz:
é dificil saber
Thais - do not bother me! diz:
é dificil
Thais - do not bother me! diz:
eu pensei pq resolvi olhar com a régua
Thais - do not bother me! diz:
hahahahah
Amigo diz:
a questao é altura eu acho
Amigo diz:
qt o fulano mede?
Thais - do not bother me! diz:
1,90!!!
Amigo diz:
porra
Thais - do not bother me! diz:
o problema num é a largura
Thais - do not bother me! diz:
é a altura
Thais - do not bother me! diz:
acho que pode ficar meio pula brejo
Thais - do not bother me! diz:
kkkkkkkkkkkkkkkkk
Amigo diz:
mede ai qt dá do pescoço até o cabelo
Amigo diz:
uns 10, 15cm?
Amigo diz:
qt será que ele tem de perna
Amigo diz:
mais de 1m
Amigo diz:
(bizarro pensar essas coisas
Amigo diz:
1,90 - 67 = 1,23
Amigo diz:
ele precisa ter mais de 1,23 somando cabeça pescoço e pernas
Amigo diz:
eu acho que rola
Thais - do not bother me! diz:
Kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
Amigo diz:
sério1
Thais - do not bother me! diz:
tb acho
Amigo diz:
acho que só de pescoço e cabeça das quase 20
Amigo diz:
mais pernas
Amigo diz:
uns 1,40
Thais - do not bother me! diz:
hahahah to me matando de rirrrrrrrrr
Thais - do not bother me! diz:
hahahah


Definitivamente, o que seria de mim sem meus amigos...

segunda-feira, 11 de junho de 2007

felcidade 1

E quem disse que felicidade é ser, ter ou saber?
Féliz é viver um segundo atrás do outro imaginando qual será a surpresa do próximo.
Ver o tempo compassado correr sem linha – nem estrada certa – para conquistar a vida,
alcançar o sonho e
fugir da saudade.
Ter no pensamento o dia de amanhã, e na cabeça a certeza de que esse é só um outro misterioso dia, sem plano, sem eira nem beira. Tudo por conquistar e construir. Por amar, chorar e rir.

terça-feira, 5 de junho de 2007

eu não sou eu

Eu sou sua miragem
Sombra fresca da sua realidade
Sou sua resposta
Sua ilusão de ótica palpável
Seu improvável
Seu conforto e seu pesadelo
Me diz primeiro
Por que te mostro metade do meu amor
inteiro?

Me diz primeiro
Por que não houve um segundo beijo?
E depois um terceiro?
Eu sou seu corpo mais forte
Seu alvo atingido
Sua semente que nasceu
E não consegue
Te dar o fruto doce, já crescido, eu não sou eu
Eu não sou eu
Sou alguém que você imaginou
Uma visão do seu amor

Composição: Lucina - Zélia Duncan

sexta-feira, 1 de junho de 2007

love of my life

Love of my life para exorcisar essa música da minha cabeça!



Queen

Freddie Mercury

Love of my life, you hurt me,
You broken my heart, now you leave me.

Love of my life cant you see,
Bring it back bring it back,
Dont take it away from me,
Because you dont know what it means to me.

Love of my life dont leave me,
Youve stolen my love now desert me,

Love of my life cant you see,
Bring it back bring it back,
Dont take it away from me,
Because you dont know what it means to me.

You will remember when this is blown over,
And everythings all by the way,
When I grow older,
I will be there by your side,
To remind how I still love you
I still love you.

Hurry back hurry back,
Dont take it away from me,
Because you dont know what it means to me.

Love of my life,
Love of my life.

terça-feira, 29 de maio de 2007

insônia que nada!


Objetivo: Tornar o blog mais dinâmico e menos sombrio (hahaha)
Estratégia: postar coisas diferentes e tentar me inspirar com o mundo real.

Ação 1.
Dá pra acreditar que esse maluco ficou 11 dias SEM DORMIR???
Sinceramente? Tanta gente implorando por uma caminha quente e o moço, por opção, fica lá acordado?

Relembrando uma música que ouvi no fim-de-semana, que dizia: "O corpo pertence à cama".
Gênero, número e grau em concordância

sexta-feira, 25 de maio de 2007

ciúmes

“Como ciumento sofro quatro vezes: porque me reprovo por sê-lo, porque temo que meu ciúme machuque o outro, porque me deixo dominar por uma banalidade; sofro por ser excluído, por ser agressivo, por ser louco e por ser comum”

Roland Barthes, Fragmentos de um discurso amoroso.

em cadeia 1

De tanta dúvida, incertezas.
Das incertezas, o sentimento de que a dúvida é verdadeira.
Da verdade, a certeza de que a incerteza quase não importa.
Do quase, a vontade de tornar certeiro.
Da vontade, o sonho.
Do sonho, verdade.
Verdade do amor maior do mundo.

segunda-feira, 21 de maio de 2007

doce amargor

Você não sabe?
Tampouco eu, que venho aqui discorrer
sobre o nada.
Você se foi?
Eu fiquei aqui a esperar um alguém que nunca
foi meu.
Arrependeu-se?
Surge a doce vingança, com certo
amargor no fundo da
garganta, de se saber (in)justiçada.

quinta-feira, 17 de maio de 2007

o amor e seu contrário

O contrário do amor

Inverso, reverso, perverso.
Pobre, solitário, descontente.
Incômodo.
Invejoso, ciumento. Pernicioso.



O amor

Descobre-se assim o amor, quando ele já está instalado.
O amor não é como um membro do corpo.
Amor não se extirpa, amputa ou extrai.
Amor, ao contrário,
Permeia, impregna.
Invade o ser. Toma, por dentro da pele,
Cada espaço entre as células.
Amor, reveste, protege e
Transborda pelo canto dos olhos,
Umedecendo a boca e estremecendo o coração.
Amor não se cria. Acontece e pronto, sem mais.
Pra mim e pra você.

To: R.C.M.

segunda-feira, 14 de maio de 2007

um menino

Em homenagem à Igreja Católica Apostólica Romana, que esqueceu quem é Jesus Cristo.



O guardador de rebanhos - VIII
Fernando Pessoa(Alberto Caeiro)

Num meio dia de fim de primavera
Tive um sonho como uma fotografia
Vi Jesus Cristo descer à terra,
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.

Tinha fugido do céu,
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.
No céu era tudo falso, tudo em desacordo
Com flores e árvores e pedras,
No céu tinha que estar sempre sério
E de vez em quando de se tornar outra vez homem

E subir para a cruz, e estar sempre a morrer
Com uma coroa toda à roda de espinhos
E os pés espetados por um prego com cabeça,
E até com um trapo à roda da cintura
Como os pretos nas ilustrações.
Nem sequer o deixavam ter pai e mãe
Como as outras crianças.
O seu pai era duas pessoas -
Um velho chamado José, que era carpinteiro,
E que não era pai dele;
E o outro pai era uma pomba estúpida,
A única pomba feia do mundo
Porque não era do mundo nem era pomba.
E a sua mãe não tinha amado antes de o ter.

Não era mulher: era uma mala
Em que ele tinha vindo do céu.
E queriam que ele, que só nascera da mãe,
E nunca tivera pai para amar com respeito,
Pregasse a bondade e a justiça!

Um dia que Deus estava a dormir
E o Espírito Santo andava a voar,
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três,
Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz

E deixou-o pregado na cruz que há no céu
E serve de modelo às outras.
Depois fugiu para o sol
E desceu pelo primeiro raio que apanhou.
Hoje vive na minha aldeia comigo.
É uma criança bonita de riso e natural.
Limpa o nariz no braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.
Atira pedras nos burros,
Rouba as frutas dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães.
E, porque sabe que elas não gostam
E que toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas
Que vão em ranchos pelas estradas
Com as bilhas às cabeças
E levanta-lhes as saias.

A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as cousas,
Aponta-me todas as cousas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas.

Diz-me muito mal de Deus,
Diz que ele é um velho estúpido e doente,S
empre a escarrar no chão
E a dizer indecências.
A Virgem Maria leva as tardes da eternidade a fazer meia,
E o Espírito Santo coça-se com o bico
E empoleira-se nas cadeiras e suja-as.
Tudo no céu é estúpido como a Igreja Católica.

Diz-me que Deus não percebe nada
Das coisas que criou -
"Se é que as criou, do que duvido" -
"Ele diz, por exemplo, que os seres cantam a sua glória,
mas os seres não cantam nada,
se cantassem seriam cantores.
Os seres existem e mais nada,
E por isso se chamam seres".
E depois, cansado de dizer mal de Deus,
O Menino Jesus adormece nos meus braços
E eu levo-o ao colo para casa.

Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.
Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
Ele é o humano que é natural,
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E por isso é que eu sei com toda a certeza
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.
E a criança tão humana que é divina
É esta minha quotidiana vida de poeta,
E é porque ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre,
E que o meu mínimo olhar
Me enche de sensação,
E o mais pequeno som,
seja do que for,
Parece falar comigo.

A Criança Nova que habita onde vivo
Dá-me uma mão a mim
E a outra a tudo que existe
E assim vamos os três pelo caminho que houver,
Saltando e cantando e rindo
E gozando o nosso segredo comum
Que é o de saber por toda a parte
Que não há mistério no mundo
E que tudo vale a pena.

A Criança Eterna acompanha-me sempre.
A direção do meu olhar é o seu dedo apontando.
O meu ouvido atento alegremente a todos os sons
São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas.
Damo-nos tão bem um com o outro
Na companhia de tudo
Que nunca pensamos um no outro,
Mas vivemos juntos a dois
Com um acordo íntimo
Como a mão direita e a esquerda.

Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas
No degrau da porta de casa,
Graves como convém a um deus e a um poeta,
E como se cada pedra
Fosse todo o universo
E fosse por isso um grande perigo para ela
Deixá-la cair no chão.

Depois eu conto-lhe histórias das cousas só dos homens
E ele sorri, porque tudo é incrível.
Ri dos reis e dos que não são reis,
E tem pena de ouvir falar das guerras,
E dos comércios, e dos navios
Que ficam fumo no ar dos altos-mares.
Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade

Que uma flor tem ao florescer
E que anda com a luz do sol
A variar os montes e os vales,
E a fazer doer aos olhos os muros caiados.
Depois ele adormece e eu deito-o
Levo-o ao colo para dentro de casa
E deito-o, despindo-o lentamente
E como seguindo um ritual muito limpo
E todo materno até ele estar nu.

Ele dorme dentro da minha alma
E às vezes acorda de noite
E brinca com os meus sonhos,
Vira uns de pernas para o ar,
Põe uns em cima dos outros
E bate as palmas sozinho
Sorrindo para o meu sono.

Quando eu morrer, filhinho,
Seja eu a criança, o mais pequeno.
Pega-me tu no colo
E leva-me para dentro da tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano
E deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde,
Para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar
Até que nasça qualquer dia
Que tu sabes qual é.

Esta é a história do meu Menino Jesus,
Por que razão que se perceba
Não há de ser ela mais verdadeira
Que tudo quanto os filósofos pensam
E tudo quanto as religiões ensinam?


08-03-1914

quarta-feira, 9 de maio de 2007

felicidade miúda

Ah essa pequeneza inocente
de olhos brilhantes e sorriso largo.
Feliz em miudezas tão miúdas quanto
o próprio ser.
Ser pensante, captador de
histórias, valores e sentimentos.
Imaginação.
Sonhos e brincadeira.
Pega! Pega! Pega sem deixar escapar o pega-pega!
Pula corda! Dança! Salta!
Ri.
Quebra a cara, o joelho, a perna.
Chora.
Aprende e cresce. Estica,
estoura, espicha.
Distancia-se e floresce.
Sonha.
Tenta, luta, chora.
Conhece. Desnuda. Frustra.
Assusta, foge e, depois,
encara.
Teme, esconde e percebe
finalmente,
a miudeza frágil da felcidade.

Para M.C.L.S.

segunda-feira, 7 de maio de 2007

Pipocas e Piruás

Eu sou um psicanalista. Quando se fala em psicanalista, pensa-se logo em médico de gente doida. Mas não é nada disso. Psicanalista é igual ao boiadeiro... Lá está o boiadeiro, largado e mole na sua sela, as vacas pastando tranqüilas até que, de repente, sem que se saiba a razão, acontece um espanto e a boiada estoura, sai desembestada pelos pastos e cerrados. Aí o boiadeiro endurece, se firma na sela, esporeia o cavalo, e vai disparando atrás dos bois enlouquecidos, para trazê-los de novo ao pastar tranqüilo. Aí ele fica largado e frouxo de novo, na sua sela... Pois psicanalista é igual. Ele também toma conta de boiada. A boiada de que ele toma conta mora dentro da cabeça: idéias sem conta, uma atrás da outra, idéias mansas, idéias não tão mansas, todas pastando grama do dia-a-dia... Mas, de repente, por uma razão desconhecida - a gente mais desconhece do que conhece - uma idéia começa a pular, com o perigo de arrastar todas as outras, e sai esse boiadeiro da alma atrás da idéia endoidada, pra ela ficar mansa de novo. Boiadeiro usa laço de couro pra pegar vaca em disparada. Psicanalista usa laço de palavras pra pegar idéias em disparada. Ah! Nada melhor para amansar uma palavra que colocá-la, escrita, no curral do papel. Bem dizia o poeta português Fernando Pessoa que quando a gente fala uma palavra a gente conserva a sua virtude ao mesmo tempo que lhe tira o terror.

Pois aconteceu que eu, boiadeiro da alma, estava guardando o rebanho de idéias de uma cliente quando, de repente, no meio de um caso sem importância que ela contava, ela falou uma palavra, palavra comum do dia-a-dia, palavra que sempre se comportara bem - e aconteceu o inesperado: ela estourou, começou a dar saltos, não na cabeça dela, mas na minha. A palavra que ela disse foi "pipoca". Quando ela falou pipoca, algo inesperado na minha mente aconteceu. Minhas idéias começaram a estourar como pipoca em gordura quente dentro da panela. Percebi, então, que as idéias muito se parecem com pipoca. Olhando para um milho de pipoca, quem não sabe não dá nada por ele. Assim acontece também com as idéias da gente. Mas, basta que haja fogo para que tanto as pipocas quanto os pensamentos se ponham a estourar.

A pipoca estourou. Pensei no sentido religioso da pipoca. Para os cristãos, sagrados são o pão e o vinho. Para o candomblé, sagrada é a pipoca. Pipoca, comida sagrada? É que a transformação do milho duro em pipoca macia é o símbolo da grande transformação por que devem passar os homens para que eles venham a ser o que devem ser. O milho da pipoca não é o que ele deve ser. Ele deve ser o que acontece depois do estouro. Milho de pipoca somos nós, adultos: duros, quebra-dentes, impróprios para ser comidos. Mas, pelo poder do fogo podemos, repentinamente, nos transformar em outra coisa...

Mas a transformação só acontece pelo poder do fogo. Pipoca que não passa pelo fogo fica do mesmo jeito. Imagino que a pobre pipoca, fechada dentro da panela, lá dentro ficando cada vez mais quente, pensa que sua hora chegou: vai morrer. De dentro da casca dura, fechada em si mesma, ela não pode imaginar destino diferente. Não pode imaginar a transformação que está sendo preparada. Aí, sem aviso prévio, pelo poder do fogo, a grande transformação acontece: pum! e ela aparece como uma outra coisa, completamente diferente. É a lagarta rastejante e feia que surge do casulo como borboleta voante.

Em Minas todo mundo sabe o que é piruá. Piruá é pipoca que se recusou a estourar. Piruás são aquelas pessoas que, por mais que o fogo esquente, se recusam a mudar. Elas acham que não pode haver coisa mais maravilhosa do que o jeito com elas são. O destino delas é triste. Vão ficar duras a vida inteira. Não vão se transformar na flor branca e macia, deliciosa de ser comida com um salzinho. Não vão dar alegria para ninguém. Comidas as pipocas, os piruás vão para o lixo. Esse é o destino das pessoas que se recusam a mudar. Quanto às pipocas que estouraram, são adultos que voltaram a ser crianças e que sabem que a vida é uma grande brincadeira...

Rubens Alves

sexta-feira, 27 de abril de 2007

re - inventarse

Re-invento-me a cada dia.
Em cada palavra, em cada vírgula, em cada gíria.
Em cada palavra dita errado, em cada pensamento inventado.

Nas histórias, nos sorrisos, nos caminhos diferentes.
Re-inventome em ação e emoção.
Desvendo mistérios, descubro segredos, transcendo – as minhas próprias –
Possibilidades.

Remôo. Volto. Penso.
Cresço, sem fim, em qualquer direção.
Caminho, tropeço, escorrego, reergo.

Invento novos jeitos e expressões.
Sinto diferente a cada dia. Sonho e interpreto.
Maquino, tutano, matuto.

Matutadora de (re) invenções de si, dos outros, do mundo.

quarta-feira, 25 de abril de 2007

a verdade dividida

A VERDADE DIVIVIDA

A porta da verdade estava aberta
mas só deixava passar
meia pessoa de cada vez.

Assim não era possível atingir toda a verdade,
porque a meia pessoa que entrava
só conseguia o perfil de meia verdade.
E sua segunda metade
voltava igualmente com meio perfil.
E os meios perfis não coincidiam.

Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.
Chegaram ao lugar luminoso
onde a verdade esplendia os seus fogos.
Era dividida em duas metades
diferentes uma da outra.

Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.
Nenhuma das duas era perfeitamente bela.
E era preciso optar. Cada um optou
conforme seu capricho, sua ilusão, sua miopia.

Carlos Drummond de Andrade
In Contos Plausíveis
José Olympio, 1985

silêncio 1

Conviviam em silêncio achando que o olhar bastava. Eram felicidades, decepções, medos e inseguranças expressos em traços alterados e na profundidade do observar. Não eram necessárias palavras. Ao menos era o que entendiam. E assim viveram durante anos em um silêncio falante, provocador. As belezas de um e outro eram admiradas e veladas com os olhos do outro fechados. Não se permitiam admirar e enxergar de fato aquilo que estava por trás do olhar. Acreditavam no silêncio em par, mas não se deram conta de que o conforto era individual. Tentaram falar, não se entenderam. Era a primeira vez que o som propagava externamente. Como uma criança que aprende a caminhar, as palavras sairam tropeçadas, tortas e arranhadas, sinal de um primeiro passo de entender a realidade de fora de si mesmos. Não se entenderam. As mensagens, tão óbvias antes, se tornaram truncadas. Os olhos, não conseguem mais admirar o outro, ainda que fechados.Verte apenas, de um par deles, água e sal.

sexta-feira, 20 de abril de 2007

coração

Torceram o coração
Escorrem saudades, sonhos, risos e planos
Pinga mágoa, tristeza, desilusão.

Torceram os caminhos
Escorregaram nele
Pinga água salgada.

quinta-feira, 19 de abril de 2007

infelicidade?

O que é infelicidade?

A humanidade se pergunta: como encontrar a felicidade? O que é felicidade? Somos felizes ou não? Será que conseguiremos, um dia alcançar a tal felicidade?

Para estes questionamentos não faltam teorias, contos, poesias, letras de música e estudos científicos. Uns acreditam que a felicidade é a liberação de serotonina no organismo, outros acreditam que é ter tudo aquilo que se quer. A versão mais politicamente correta e pós-moderna da felicidade diz que a felicidade é ser. Ser um bom homem, ser um bom trabalhador, ser bom pai, marido, filho, amigo. A felicidade é soma, uma eterna conta de adição.

Diante da constatação de que a felicidade é algo que todos procuram, mas só encontram em pequenos instantes, como cansam de dizer os poetas de botequim, o que é então o resto da vida? A infelicidade?

Partindo-se do pressuposto que a felicidade acontece em instantes específicos podemos pensar que no tempo em que não estamos/nos sentimos felizes há a ausência de felicidade logo, a não felicidade. No latin, o prefixo in representa a negação sendo assim, nos momentos em que não estamos felizes quem reina mesmo é a infelicidade? E aí a pergunta que soa é: Se na maior parte do tempo não há felicidade, que mal há em ser infeliz? O que define a infelicidade? A tristeza? A frustração? A falta de sentido nas coisas? A rotina? Os parâmetros sociais que nos impedem de realizarmos nossa própria e instantânea felicidade?

Como nos sabemos infelizes? Por vezes, em algumas situações as pessoas nos dizem: “Não ligue pra isso. Você estava infeliz mesmo” ou então “Coitado, estava tão infeliz, sofrendo tanto, era melhor mesmo que terminasse”. Oras, quem disse isso? Por que as pessoas não podem estar satisfeitas em suas próprias infelicidades?

A sociedade rotula as pessoas ‘satisfeitas com a infelicidade’ de acomodadas. Segundo nossos padrões ser acomodado é não ter ímpeto de mudança, satisfazer-se com pouco. Será mesmo que é esse o sentido que devemos adotar para o estatus de acomodação? Talvez a acomodação esteja muito mais ligada à adaptação – a capacidade que o indivíduo tem de aceitar e se adaptar, sem se ferir, às situações que lhes são expostas – do que à falta de iniciativa, o estado blasé, dos típicos socialmente acomodados.

Cada um deve encontrar um entendimento particular do que é a felicidade para si. Falar sobre as mazelas do mundo e das pessoas é natural entre os seres que se relacionam, mas exaltar os momentos de felicidade, não. Ou seja, se apenas o que for sabido pelos outros forem coisas ruins e críticas, automaticamente todo o resto de uma situação, relação, ação ou intenção torna-se ruim, infeliz. Grande injustiça. Os porquês de não exaltarmos nossa felicidade são parte de outro assunto, mas a repulsa à ‘infelicidade’, a não aceitação da rotina, dos defeitos, das carências, das dores e sofrimentos é realmente preocupante.

Talvez o que devamos pensar é: o que realmente nos causa transtorno, incômodo? O que nos move para mudar uma situação desagradável? O que nos desperta o instinto de autoproteção? O que nos faz superar nossos medos e traumas? Talvez isso seja a real infelicidade. O motivo e o instante em que você se dá conta de que as coisas não estão boas. O ímpeto natural de transformar algo ruim em algo bom porque o algo ‘ruim’ fere.

Resta encontrar o caminho único de descobrir a real infelicidade dentro de nós. E exaltar, mais declaradamente, para nós mesmos, a beleza, a riqueza e dificuldade que é viver.

quarta-feira, 18 de abril de 2007

cubos

Em um plano, caixas pretas enfileiram-se ocupando todo o espaço. Algumas abertas, outras completamente fechadas. À meia luz geram sombras, que revelam frestas e arestas entre cada cubo. Alguns estão escancardos, outros lacrados, quase todos intercalados por caixas semi-abertas de possibilidades. Algumas não têm fundo. Outras, são pouco profundas - não cabe quase nada dentro - e com estas não se pode contar. Há caixas que têm fundo falso: para arriscar. É largar ou jogar-se dentro delas para saber onde se pode parar.

Fato é que os cubos estão lá desde que nos entendemos, mas não somos capazes de vê-los por inteiro. Os que tem os olhos mais abertos conseguem enxergá-los e movimentá-los formando um desenho correto e inconstante. Outras pessoas, carentes de olhos, nem se dão conta da existência deles, que ficam lá, ao longo dos anos, parados e empoeirados.

O abre e fecha das caixas faz a vida acontecer. As movimentações, espontâneas ou forçadas, determinam caracterísitcas de cada indíviduo e modos diferentes de ação. Quanto mais caixas destravadas, maior a flexibilidade do desenho e sua capacidade de adaptar-se a cada momento.

Compassadas: Cada conjunto de cubos pretos cria seu próprio movimento de luzes, aberturas, frestas e infinitos. Associa-se, algumas vezes, a outros cubos quando seu formato é capaz de gerar novos encaixes. Aí então passamos a interligar caixas, sombras e arestas afinando as disposições... Em outros momentos, a configuração do desenho faz com que as asssociações não acrescentem. Como se o fundo de uma caixa impedisse a tampa de outra abrir. Como se uma sombra criada sobre um cubo entreaberto fizesse parecê-lo fechado. Noutra circunstância, a luz que sai de uma caixa alheia pode iluminar tantas outras dimensões inexploradas que apresenta novas caixas, até então não vistas.

restos

Para reiventar-se fica um pouco do passado, da alegria, da dor. As lembranças que demoram a se recolher inventam novas pessoas, novos sonhos. Inventamos a imagem quando conhecemos e quando a perdemos também. Por isso, quando sós, sofremos pelos sonhos inventados e perdidos. Imaginados, irreais. Reinventemos os sonhos, os caminhos, os desenhos e tijolos.

Resíduo

Carlos Drummond de Andrade


De tudo ficou um pouco.
Do meu medo. Do teu asco.
Dos gritos gagos. Da rosa
ficou um pouco

Ficou um pouco de luz
captada no chapéu.
Nos olhos do rufião
de ternura ficou um pouco
(muito pouco).

Pouco ficou deste pó
de que teu branco sapato
se cobriu. Ficaram poucas
roupas, poucos véus rotos
pouco, pouco, muito pouco.

Mas de tudo fica um pouco.
Da ponte bombardeada,
de duas folhas de grama,
do maço
- vazio - de cigarros, ficou um pouco.

Pois de tudo fica um pouco.
Fica um pouco de teu queixono queixo de tua filha.
De teu áspero silêncio
um pouco ficou, um pouco
nos muros zangados,
nas folhas, mudas, que sobem.

Ficou um pouco de tudo
no pires de porcelana,
dragão partido, flor branca,
ficou um pouco
de ruga na vossa testa,
retrato.

Se de tudo fica um pouco,
mas por que não ficaria
um pouco de mim? no trem
que leva ao norte, no barco,
nos anúncios de jornal,
um pouco de mim em Londres,
um pouco de mim algures?
na consoante?
no poço?

Um pouco fica oscilando
na embocadura dos rios
e os peixes não o evitam,
um pouco: não está nos livros.

De tudo fica um pouco.
Não muito: de uma torneira
pinga esta gota absurda,
meio sal e meio álcool,
salta esta perna de rã,
este vidro de relógio
partido em mil esperanças,
este pescoço de cisne,
este segredo infantil...
De tudo ficou um pouco:
de mim; de ti; de Abelardo.
Cabelo na minha manga,
de tudo ficou um pouco;
vento nas orelhas minhas,
simplório arroto, gemido
de víscera inconformada,
e minúsculos artefatos:
campânula, alvéolo, cápsulade revólver...
de aspirina.
De tudo ficou um pouco.

E de tudo fica um pouco.
Oh abre os vidros de loção
e abafa
o insuportável mau cheiro da memória.

Mas de tudo, terrível, fica um pouco,
e sob as ondas ritmadas
e sob as nuvens e os ventos
e sob as pontes e sob os túneis
e sob as labaredas e sob o sarcasmo
e sob a gosma e sob o vômito
e sob o soluço, o cárcere, o esquecido
e sob os espetáculos e sob a morte escarlate
e sob as bibliotecas, os asilos, as igrejas triunfantes
e sob tu mesmo e sob teus pés já duros
e sob os gonzos da família e da classe,
fica sempre um pouco de tudo.
Às vezes um botão. Às vezes um rato.