terça-feira, 29 de maio de 2007

insônia que nada!


Objetivo: Tornar o blog mais dinâmico e menos sombrio (hahaha)
Estratégia: postar coisas diferentes e tentar me inspirar com o mundo real.

Ação 1.
Dá pra acreditar que esse maluco ficou 11 dias SEM DORMIR???
Sinceramente? Tanta gente implorando por uma caminha quente e o moço, por opção, fica lá acordado?

Relembrando uma música que ouvi no fim-de-semana, que dizia: "O corpo pertence à cama".
Gênero, número e grau em concordância

sexta-feira, 25 de maio de 2007

ciúmes

“Como ciumento sofro quatro vezes: porque me reprovo por sê-lo, porque temo que meu ciúme machuque o outro, porque me deixo dominar por uma banalidade; sofro por ser excluído, por ser agressivo, por ser louco e por ser comum”

Roland Barthes, Fragmentos de um discurso amoroso.

em cadeia 1

De tanta dúvida, incertezas.
Das incertezas, o sentimento de que a dúvida é verdadeira.
Da verdade, a certeza de que a incerteza quase não importa.
Do quase, a vontade de tornar certeiro.
Da vontade, o sonho.
Do sonho, verdade.
Verdade do amor maior do mundo.

segunda-feira, 21 de maio de 2007

doce amargor

Você não sabe?
Tampouco eu, que venho aqui discorrer
sobre o nada.
Você se foi?
Eu fiquei aqui a esperar um alguém que nunca
foi meu.
Arrependeu-se?
Surge a doce vingança, com certo
amargor no fundo da
garganta, de se saber (in)justiçada.

quinta-feira, 17 de maio de 2007

o amor e seu contrário

O contrário do amor

Inverso, reverso, perverso.
Pobre, solitário, descontente.
Incômodo.
Invejoso, ciumento. Pernicioso.



O amor

Descobre-se assim o amor, quando ele já está instalado.
O amor não é como um membro do corpo.
Amor não se extirpa, amputa ou extrai.
Amor, ao contrário,
Permeia, impregna.
Invade o ser. Toma, por dentro da pele,
Cada espaço entre as células.
Amor, reveste, protege e
Transborda pelo canto dos olhos,
Umedecendo a boca e estremecendo o coração.
Amor não se cria. Acontece e pronto, sem mais.
Pra mim e pra você.

To: R.C.M.

segunda-feira, 14 de maio de 2007

um menino

Em homenagem à Igreja Católica Apostólica Romana, que esqueceu quem é Jesus Cristo.



O guardador de rebanhos - VIII
Fernando Pessoa(Alberto Caeiro)

Num meio dia de fim de primavera
Tive um sonho como uma fotografia
Vi Jesus Cristo descer à terra,
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.

Tinha fugido do céu,
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.
No céu era tudo falso, tudo em desacordo
Com flores e árvores e pedras,
No céu tinha que estar sempre sério
E de vez em quando de se tornar outra vez homem

E subir para a cruz, e estar sempre a morrer
Com uma coroa toda à roda de espinhos
E os pés espetados por um prego com cabeça,
E até com um trapo à roda da cintura
Como os pretos nas ilustrações.
Nem sequer o deixavam ter pai e mãe
Como as outras crianças.
O seu pai era duas pessoas -
Um velho chamado José, que era carpinteiro,
E que não era pai dele;
E o outro pai era uma pomba estúpida,
A única pomba feia do mundo
Porque não era do mundo nem era pomba.
E a sua mãe não tinha amado antes de o ter.

Não era mulher: era uma mala
Em que ele tinha vindo do céu.
E queriam que ele, que só nascera da mãe,
E nunca tivera pai para amar com respeito,
Pregasse a bondade e a justiça!

Um dia que Deus estava a dormir
E o Espírito Santo andava a voar,
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três,
Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz

E deixou-o pregado na cruz que há no céu
E serve de modelo às outras.
Depois fugiu para o sol
E desceu pelo primeiro raio que apanhou.
Hoje vive na minha aldeia comigo.
É uma criança bonita de riso e natural.
Limpa o nariz no braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.
Atira pedras nos burros,
Rouba as frutas dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães.
E, porque sabe que elas não gostam
E que toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas
Que vão em ranchos pelas estradas
Com as bilhas às cabeças
E levanta-lhes as saias.

A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as cousas,
Aponta-me todas as cousas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas.

Diz-me muito mal de Deus,
Diz que ele é um velho estúpido e doente,S
empre a escarrar no chão
E a dizer indecências.
A Virgem Maria leva as tardes da eternidade a fazer meia,
E o Espírito Santo coça-se com o bico
E empoleira-se nas cadeiras e suja-as.
Tudo no céu é estúpido como a Igreja Católica.

Diz-me que Deus não percebe nada
Das coisas que criou -
"Se é que as criou, do que duvido" -
"Ele diz, por exemplo, que os seres cantam a sua glória,
mas os seres não cantam nada,
se cantassem seriam cantores.
Os seres existem e mais nada,
E por isso se chamam seres".
E depois, cansado de dizer mal de Deus,
O Menino Jesus adormece nos meus braços
E eu levo-o ao colo para casa.

Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.
Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
Ele é o humano que é natural,
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E por isso é que eu sei com toda a certeza
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.
E a criança tão humana que é divina
É esta minha quotidiana vida de poeta,
E é porque ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre,
E que o meu mínimo olhar
Me enche de sensação,
E o mais pequeno som,
seja do que for,
Parece falar comigo.

A Criança Nova que habita onde vivo
Dá-me uma mão a mim
E a outra a tudo que existe
E assim vamos os três pelo caminho que houver,
Saltando e cantando e rindo
E gozando o nosso segredo comum
Que é o de saber por toda a parte
Que não há mistério no mundo
E que tudo vale a pena.

A Criança Eterna acompanha-me sempre.
A direção do meu olhar é o seu dedo apontando.
O meu ouvido atento alegremente a todos os sons
São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas.
Damo-nos tão bem um com o outro
Na companhia de tudo
Que nunca pensamos um no outro,
Mas vivemos juntos a dois
Com um acordo íntimo
Como a mão direita e a esquerda.

Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas
No degrau da porta de casa,
Graves como convém a um deus e a um poeta,
E como se cada pedra
Fosse todo o universo
E fosse por isso um grande perigo para ela
Deixá-la cair no chão.

Depois eu conto-lhe histórias das cousas só dos homens
E ele sorri, porque tudo é incrível.
Ri dos reis e dos que não são reis,
E tem pena de ouvir falar das guerras,
E dos comércios, e dos navios
Que ficam fumo no ar dos altos-mares.
Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade

Que uma flor tem ao florescer
E que anda com a luz do sol
A variar os montes e os vales,
E a fazer doer aos olhos os muros caiados.
Depois ele adormece e eu deito-o
Levo-o ao colo para dentro de casa
E deito-o, despindo-o lentamente
E como seguindo um ritual muito limpo
E todo materno até ele estar nu.

Ele dorme dentro da minha alma
E às vezes acorda de noite
E brinca com os meus sonhos,
Vira uns de pernas para o ar,
Põe uns em cima dos outros
E bate as palmas sozinho
Sorrindo para o meu sono.

Quando eu morrer, filhinho,
Seja eu a criança, o mais pequeno.
Pega-me tu no colo
E leva-me para dentro da tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano
E deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde,
Para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar
Até que nasça qualquer dia
Que tu sabes qual é.

Esta é a história do meu Menino Jesus,
Por que razão que se perceba
Não há de ser ela mais verdadeira
Que tudo quanto os filósofos pensam
E tudo quanto as religiões ensinam?


08-03-1914

quarta-feira, 9 de maio de 2007

felicidade miúda

Ah essa pequeneza inocente
de olhos brilhantes e sorriso largo.
Feliz em miudezas tão miúdas quanto
o próprio ser.
Ser pensante, captador de
histórias, valores e sentimentos.
Imaginação.
Sonhos e brincadeira.
Pega! Pega! Pega sem deixar escapar o pega-pega!
Pula corda! Dança! Salta!
Ri.
Quebra a cara, o joelho, a perna.
Chora.
Aprende e cresce. Estica,
estoura, espicha.
Distancia-se e floresce.
Sonha.
Tenta, luta, chora.
Conhece. Desnuda. Frustra.
Assusta, foge e, depois,
encara.
Teme, esconde e percebe
finalmente,
a miudeza frágil da felcidade.

Para M.C.L.S.

segunda-feira, 7 de maio de 2007

Pipocas e Piruás

Eu sou um psicanalista. Quando se fala em psicanalista, pensa-se logo em médico de gente doida. Mas não é nada disso. Psicanalista é igual ao boiadeiro... Lá está o boiadeiro, largado e mole na sua sela, as vacas pastando tranqüilas até que, de repente, sem que se saiba a razão, acontece um espanto e a boiada estoura, sai desembestada pelos pastos e cerrados. Aí o boiadeiro endurece, se firma na sela, esporeia o cavalo, e vai disparando atrás dos bois enlouquecidos, para trazê-los de novo ao pastar tranqüilo. Aí ele fica largado e frouxo de novo, na sua sela... Pois psicanalista é igual. Ele também toma conta de boiada. A boiada de que ele toma conta mora dentro da cabeça: idéias sem conta, uma atrás da outra, idéias mansas, idéias não tão mansas, todas pastando grama do dia-a-dia... Mas, de repente, por uma razão desconhecida - a gente mais desconhece do que conhece - uma idéia começa a pular, com o perigo de arrastar todas as outras, e sai esse boiadeiro da alma atrás da idéia endoidada, pra ela ficar mansa de novo. Boiadeiro usa laço de couro pra pegar vaca em disparada. Psicanalista usa laço de palavras pra pegar idéias em disparada. Ah! Nada melhor para amansar uma palavra que colocá-la, escrita, no curral do papel. Bem dizia o poeta português Fernando Pessoa que quando a gente fala uma palavra a gente conserva a sua virtude ao mesmo tempo que lhe tira o terror.

Pois aconteceu que eu, boiadeiro da alma, estava guardando o rebanho de idéias de uma cliente quando, de repente, no meio de um caso sem importância que ela contava, ela falou uma palavra, palavra comum do dia-a-dia, palavra que sempre se comportara bem - e aconteceu o inesperado: ela estourou, começou a dar saltos, não na cabeça dela, mas na minha. A palavra que ela disse foi "pipoca". Quando ela falou pipoca, algo inesperado na minha mente aconteceu. Minhas idéias começaram a estourar como pipoca em gordura quente dentro da panela. Percebi, então, que as idéias muito se parecem com pipoca. Olhando para um milho de pipoca, quem não sabe não dá nada por ele. Assim acontece também com as idéias da gente. Mas, basta que haja fogo para que tanto as pipocas quanto os pensamentos se ponham a estourar.

A pipoca estourou. Pensei no sentido religioso da pipoca. Para os cristãos, sagrados são o pão e o vinho. Para o candomblé, sagrada é a pipoca. Pipoca, comida sagrada? É que a transformação do milho duro em pipoca macia é o símbolo da grande transformação por que devem passar os homens para que eles venham a ser o que devem ser. O milho da pipoca não é o que ele deve ser. Ele deve ser o que acontece depois do estouro. Milho de pipoca somos nós, adultos: duros, quebra-dentes, impróprios para ser comidos. Mas, pelo poder do fogo podemos, repentinamente, nos transformar em outra coisa...

Mas a transformação só acontece pelo poder do fogo. Pipoca que não passa pelo fogo fica do mesmo jeito. Imagino que a pobre pipoca, fechada dentro da panela, lá dentro ficando cada vez mais quente, pensa que sua hora chegou: vai morrer. De dentro da casca dura, fechada em si mesma, ela não pode imaginar destino diferente. Não pode imaginar a transformação que está sendo preparada. Aí, sem aviso prévio, pelo poder do fogo, a grande transformação acontece: pum! e ela aparece como uma outra coisa, completamente diferente. É a lagarta rastejante e feia que surge do casulo como borboleta voante.

Em Minas todo mundo sabe o que é piruá. Piruá é pipoca que se recusou a estourar. Piruás são aquelas pessoas que, por mais que o fogo esquente, se recusam a mudar. Elas acham que não pode haver coisa mais maravilhosa do que o jeito com elas são. O destino delas é triste. Vão ficar duras a vida inteira. Não vão se transformar na flor branca e macia, deliciosa de ser comida com um salzinho. Não vão dar alegria para ninguém. Comidas as pipocas, os piruás vão para o lixo. Esse é o destino das pessoas que se recusam a mudar. Quanto às pipocas que estouraram, são adultos que voltaram a ser crianças e que sabem que a vida é uma grande brincadeira...

Rubens Alves