sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

cancioneiro


Aqui na orla da praia,

mudo e contente do mar,

Sem nada já que me atraia, nem nada que desejar,

Farei um sonho, terei meu dia, fecharei a vida,

E nunca terei agonia, pois dormirei de seguida.


A vida é como uma sombra que passa por sobre um rio

Ou como um passo na alfombra de um quarto que jaz vazio;

O amor é um sono que chega para o pouco ser que se é;

A glória concede e nega; não tem verdades a fé.


Por isso na orla morena da praia calada e só,

Tenho a alma feita pequena, livre de mágoa e de dó;

Sonho sem quase já ser, perco sem nunca ter tido,

E comecei a morrer muito antes de ter vivido.


Dêem-me, onde aqui jazo, só uma brisa que passe,

Não quero nada do acaso, senão a brisa na face;

Dêem-me um vago amor de quanto nunca terei,

Não quero gozo nem dor, não quero vida nem lei.


Só, no silêncio cercado pelo som brusco do mar,

Quero dormir sossegado, sem nada que desejar,

Quero dormir na distância de um ser que nunca foi seu,

Tocado do ar sem fragrância da brisa de qualquer céu.


Fernando Pessoa

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

ladeira da preguiça

Essa ladeira, que ladeira é essa?
Essa é a ladeira da preguiça
Essa ladeira, que ladeira é essa?
Essa é a ladeira da preguiça

Preguiça que eu tive sempre De escrever para a família
E de mandar conta pra casa
Que esse mundo é uma maravilha
E pra saber se a menina
Já conta as estrelas e sabe a segunda cartilha
E pra saber se o menino
Já canta cantigas e já não bota mais a mão na baguilha

E pra falar do mundo falo uma besteira
Fomenteira é uma ilha
Onde se chega de barco, mãe
Que nem lá, na ilha do medo
Que nem lá, na ilha do frade
Que nem lá, na ilha de maré
Que nem lá, salina das margaridas

Essa ladeira, que ladeira é essa?
Essa é a ladeira da preguiça
Ela é de hoje
Ela é desde quando
Se amarrava cachorro com linguiça

Composição: Gilberto Gil

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

pequenas vinganças

- Por favor, não me liga mais. Ela fica incomodada.
- Incomodada? Ela sabe de alguma coisa?
- Então... mais ou menos.
- Como assim 'mais ou menos'? Você contou?
- Médio.
- Médio?! Você é louco?
- Ela insistiu que tínhamos alguma coisa e eu neguei. Neguei, juro, até quase a morte. Ela me apertou, chorou, xingou, disse que eu estava mentindo e eu continuei, firme e forte, negando veementemente que nunca tínhamos nos envolvido e finalmente ela acreditou.
- Ahn...
- Mas aí, um outro dia desses, ela viu uma mensagem sua na caderneta de recados - não dizia nada de mais - e surtou novamente. Falei que eu já tinha explicado, que nada tinha acontecido entre nós, que aquilo era fruto da imaginação dela. E ela novamente esperneeou, chorou, disse que eu estava mentindo, até que eu tomei a decisão.
- Hum...
- Disse a ela: 'Você quer saber a verdade? A verdade é que já fiquei com ela sim.'
- Você é louco. Certeza. Além de deixar a coitada morrendo de ciúmes ainda comprovou que é um puto de um mentiroso.
- É... fiz besteira.
- Fez e das grandes, mas enfim, problema de vocês.
- É, vou dar um jeito de resolver isso...
- Hahahaha. Justo quem. Eu? Provocando ciúmes em alguém? Depois de tantos anos... Confesso, fiquei surpresa. Eu, que sempre tive ciúmes de você.

E ela saiu. Levantou-se como uma rainha. Virou-se e sorriu olhando com o canto dos olhos e o sabor doce na boca pelo desconforto alheio.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

masp x obelisco

tempo, espaço e a cidade

15 minutos em 1 hora.
Raul já dizia na letra sobre ‘o dia em que a terra parou’. Em São Paulo o tempo parou. Ou melhor, estacionou. Não é mais possível prever quanto tempo leva para que alguém se locomova de um local a outro. A pontualidade está virando coisa para ‘inglês ver’.

Lembro de quando eu era criança e morávamos perto ao terminal da Barra Funda. O tempo era previsível. Meus avós, quando vinham do Paraná para cá ficavam aflitos com o tempo que iríamos levar de casa ao terminal. Queriam sair sempre uma hora antes, sendo que para chegar à rodoviária não se levava mais do que 10 minutos (incluindo o tempo de pôr as malas no carro). Oras, talvez eles previssem que em dezembro de 2007, mais de 10 anos depois, um trajeto que se cumpria em 10 minutos hoje se faz em 1 hora – quando não está alagado, porque aí não tem hora mesmo para chegar.

Trajetos que em geral acabam em 15 minutos podem ser agora cumpridos em mais de uma hora. Por outro lado, caminhos considerados verdadeiras viagens passaram a ser considerados rápidos, praticamente daqui-ali. Por exemplo: é mais rápido ir de São Paulo a Campinas (leva-se em torno de 1 hora) do que atravessar do Brooklin (zona sul de São Paulo) para a Casa Verde (zona Norte). Onde já se viu isso???

A noção de tempo do paulistano mudou e com isso, mudam as dimensões de espaço. Veja só: eu que me considero uma observadora da cidade me dei conta, pela primeira vez, depois de tantas horas paradas entre a zona leste e a zona norte , que essa cidade deve ser a metrópole em que há mais cabeleireiros (cheios) do mundo. São incontáveis os salões, institutos e casas de beleza para todos os bolsos e estilos que se espalham pela cidade.

Outra observação que tenho é: aqueles que moravam ao lado de grandes vias da cidade e abtes se escondiam do trânsito, perigoso, hoje se comportam como quem mora em bairros residenciais. As pessoas colocam cadeiraa na porta de casa para observar o movimento. Quando tiver oportunidade, passando pela avenida do Estado, observe que os senhores e senhoras que moram naquelas casinhas antigas sentam-se à porta de casa, com cerveja e jornal na mão – na hora do rush – para observar o ‘movimento’. Diferença básica de hoje para o passado? Hoje se observam motoboys sendo atropelados a cada esquina - a cada 15 minutos– e o trânsito antes rápido e perigoso, hoje não anda mais.

E assim, para os passageiros de ônibus, motoristas e motoboys da cidade os dias param. Pelo menos que aproveitem para descobrir uma São Paulo nova.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

cantando

Lembra daquele tempo
Quando não existia maldade entre nós
Risos, assuntos de vento
Pequenos poemas que foram perdidos momentos depois
Hoje sabemos do sofrimento
Tendo no rosto, no peito e nas mãos umas dor conhecida
Vivemos, estamos vivendo
Lutando pra justificar nossas vidas

Cantando
Um novo sentido, uma nova alegria
Se foi desespero hoje é sabedoria
Se foi fingimento hoje é sinceridade
Lutando
Que não há sentido de outra maneira
Uma vida não é brincadeira
E só desse jeito é a felicidade.

Composição: Paulinho da Viola